terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Yaka: apenas ficção?

Yaka: Apenas ficção?[1]
           
            Poderia se iniciar este escrito sob diferentes formas, mas destas possibilidades, optou-se por contextualizar Angola. De forma simplória, no entanto, pertinente ao ler um romance tal como Yaka, que como qualquer texto teve seu autor, Pepetela[2], que deu ao romance o início, ao delinear a data: 1890
/1904.
            A data não pode ser rígida, não pode ser utilizada como verdade e generalização, nem ruptura exata em todos os cantos. Consideramos como aproximação: Sabe-se que antes da chegada dos colonizadores em quaisquer sítios do mundo, havia pessoas residindo nestes espaços. Sob outras formas de organização, outras línguas, e tudo que pouco a história tem feito para se saber mais, ou, pelo menos, imaginar mais. Alguns estudos dizem que estas pessoas residiam no espaço hoje denominado Angola desde 27.000 anos antes do presente. Ou seja, há muito. Muito de tradição oral, de costumes que se moveram com o tempo, deslocaram-se ou sufocaram-se pelas dominações. Lacunas históricas guardam o sentimento do vazio, e por este vazio parece ser válido o que a história principiada pela colonização tem a dizer. O que se pode materializar com isto, com o que se tem, é problematizar, sem deixar de imaginar as possibilidades humanas de existência, de relações com outras culturas, natureza e o sobrenatural. Isto é uma possibilidade que o romance, como categoria literária nos tem prestigiado, com as subjetividades. Pode ser capaz de nos provocar os sentimentos do outro, muito para além de explicações sócio-econômicas, apenas.
            Segundo a história cronológica facilmente encontrada na esfera virtual, os portugueses chegaram a Angola por volta de 1415. No século seguinte fundam Luanda, e no posterior (século XVII) inauguram o tráfico de escravos para outras colônias, principalmente o Brasil, perdurando até o século XIX. Neste mesmo século há a expansão dos imperialismos africanos, e 1890, data em que Pepetela principia sua narrativa em Yaka, é compreendido como o ano em que a Inglaterra envia o ultimato para a retirada de tropas portuguesas de Angola e Moçambique. Diz Óscar Semedo, degredado de Portugal, pai do personagem principal no livro:
- Tiraram-nos o que era nosso. Todo o território do Atlântico ao Índico, o território cor-de-rosa, era nosso por direito natural. De descoberta. Mas os ingleses queriam o meio. E disseram: ou nos dão isso, ou é a guerra. E esse rei incapaz e covarde dobrou-se. Os reis de Portuugal sempre se dobraram aos ingleses. Por essas e por outras me perseguiram sempre (PEPETELA, 1984, p 15).

            O título não é de negar que respira exotismo, Yaka. O que é Yaka? Em uma nota prévia Pepetela argumenta que os chama de guerreiros, que lutaram no Reino do Congo, desceram ao sul e aprisionaram um inglês, influenciaram Benguela, Muila, Gambo, Caconda, Huambo, Bailundo, Bié. Mas no romance, Yaka é uma estátua,fictícia: “ela poderia ter existido. Mas não. Por acaso. Daí a necessidade de a criar, como mito recriado. Até porque só os mitos têm realidade. E como nos mitos, os mitos criam a si próprios, falando.” (1984, p 06). O autor separa seu romance em cinco partes: A boca (1890
/1904); Os olhos (1917); O coração (1940/41); O sexo (1961); As pernas (1975). As datas referenciam os constantes conflitos políticos que Angola vivia, como o ultimato citado acima. Mas 1890 era também o ano de nascimento do personagem principal, Alexandre Semedo. Nascido e morto nas poeiras de Angola, percorre o livro a se relacionar com pessoas de diferentes olhares políticos, e observando as gerações que perpassam na própria família, sempre a buscar uma resposta que poderia estar nos olhos da estátua Yaka.
            Os capítulos são divididos em várias partes, em que os narradores mudam. No entanto, no primeiro momento da leitura, é difícil a compreensão imediata de quem está narrando. Alexandre Semedo não é o único, mas também seus netos, a estátua Yaka e um negro mucubal[3] dos quintalões, que  viria entrar em conflito com um dos filhos de Alexandre, Aquiles.
            Em A boca o capítulo conta como Óscar Semedo, o pai de Alexandre, chegou à Angola, precisamente em Moçâmedes (habitado por muitos brasileiros). Fora degredado por ser republicano, e no nascimento de Alexandre datava dez anos que ele estava em Angola. Era casado com Esmeralda, que deu à luz a Alexandre seguindo viagem para Benguela, viu a parteira Ntumba – que estava com eles -  morrer de cansaço e velhice. Óscar Semedo foi trabalhar em uma loja de seu padrinho, que mais tarde seria dele, e depois de Alexandre. O comércio se baseava com as vindas dos escravos-  pois Benguela se sustentava destes embarques - que traziam seus produtos, como a borracha, e trocavam com aguardente ou pólvora, ou outros produtos. Óscar pensava em enviar seu filho para Portugal quando crescesse, para lá formar-se na Universidade de Coimbra. Algo que não ocorreu, dadas as crises financeiras enfrentadas pelos comerciantes, e demais pessoas que dependiam diretamente dos motins políticos, situação escravocrata
/imperialismos, guerras.
            Durante todo o livro, as discussões políticas cotidianas são bastante fortes. Já neste primeiro capítulo, traça-se o bar como o ponto de encontro destes homens de origem portuguesa que debatiam como deveria proceder o governo português, inglês e outros influentes, para suas vidas melhorarem. Cada um a partir de sua ótica, de seus objetivos políticos e financeiros donde poderia se encontrar o anarquista, republicanos ou crentes na monarquia. Acácio, o anarquista, aparece nas primeiras vinte páginas:
Fora deportado por ser não apenas republicano (nem gostava muito do nome), mas anarquista. Só falava da comuna de Paris e que as coisas se resolviam acabando com os governantes e padres. Alexandre gostava muito de o ouvir falar, embora fizesse medo. Ele e Óscar Semedo nunca estavam de acordo, mas eram amigos. Se emprestavam livros e tinham intermináveis discussões que geralmente acabavam aos gritos. Mas tinha coisas em que estavam de acordo, a monarquia era o pior que havia no Mundo, os negros tinham de ser completamente libertos da escravatura, e nunca podiam ser os padres a civilizar os negros, deviam vir muitos professores (PEPETELA, 1984, p 20).
            Porém, os dois vão travar um embate - no estabelecimento de Sô Lima - justamente pelo fato de Óscar Semedo já não mais concordar com alguns ideais que antes compartilhavam. E brigaram no bar, É neste bar e com estas pessoas que se passam boa parte dos anos, das guerras e conflitos esboçados em Yaka.
           
Uma das cenas mais fortes do livro, ainda no primeiro capítulo, foi durante a juventude de Alexandre Semedo, que com seus amigos estupraram uma negra para vingar as mulheres brancas. Entre eles, havia um negro que se recusou a participar, Tuca, mais tarde viria a se tornaria militar e encontraria Alexandre muito tempo depois. Foi ainda neste capítulo que Alexandre aprendeu com o pai a ler e venerar os gregos, razão pela qual seus filhos e netos terão esta influência na escolha dos nomes, também neste, perde o pai e a mãe.
            O segundo capítulo denominado Os Olhos, se passa com a angústia de Alexandre de ter de ser comerciante; por casar com uma mulher com a qual não queria, Donana;  ao ouvir sobre a política: “Sô Agripino, dono de caravanas e quimbares da sua meninice, que ia sendo condenado por tráfico de escravos, agora roceiro grande de café, a treinar discurso para deputado?”(PEPETELA, 1984, p 79) Não compreende as constantes revoltas dos negros, conversa com a estátua Yaka, mas ela não lhe responde; Chora a morte de Acácio, que provavelmente foi morto por um dos filhos de Sô Agripino. Não houve cerimônia com padre, este se negou, poucos brancos, “mas o povo das senzalas deu ao enterro a cor que a Igreja não quis dar.” (PEPETELA, 1984, p 85). A mulata Ermelinda, ex-companheira de Acácio preparou uma grande festa, que findou quando chegou a polícia.
            Alexandre apaixona-se por uma negra, Njaya, mas é Ernesto Tavares, um homem solteiro, que com ela teve um relacionamento. As notícias que corriam das revoltas, o deixava muito aflito, coroado de medo. Por momentos deseja a morte de todos os negros, para assim poderem viver sem este sentimento: “ – o meu pai morreu com medo. Eu nasci já com medo. Todos esses [os filhos] vivem só com medo. Não há ano sem revolta. Porra, já chega!”(PEPETELA, 1984, p 101). Neste ínterim, são apontados pela fala de Alexandre os motivos que levaram os negros a tais revoltas: As terras que lhe são constantemente roubadas pelos brancos, os impostos que tem de pagar do próprio nascimento e das cubatas[4] onde vivem, “o ar que respiram” (PEPETELA, 1984, p 101). Durante estas revoltas os brancos, como Alexandre, preferiam ficar escoltados em suas casas, até saberem que a revolta havia se acalmado.
Os dias iam passando na incerteza. As notícias vindas do Amboim eram terríficas: continuavam os massacres de brancos e os incêndios de fazendas. Já não devia ter muitos brancos vivos, a julgar pelos números. Ernesto Tavares dizia já tinham morrido mesmo mais brancos no Amboim do que os que havia em Angola inteira (PEPETELA, 1984, p 105).
            Ainda ao fim do capítulo vê os filhos crescerem, casarem, alguns já com filhos. Está em muitos momentos angustiado de estar na loja, nunca gostou da loja, sentia-se preso. Para negócios era um homem indeciso, por isso ainda preferia se fixar a ela. Entretanto, foi com a loja a possibilidade de comprar o sapalalo[5], que depois abrigou boa parte da família.
            No terceiro capítulo, O Coração, a família aparece mais, os filhos, os netos, os genros e noras. Bartolomeu Espinha é o genro português que veio para a Angola enriquecer, e lhe propôs sociedade em uma fazenda. Contra a vontade dos cunhados e Alexandre convencido pela companheira, resolve aceitar a oferta, o que lhe propicia uma vida financeiramente muito tranqüila, e o genro, e posteriormente a nora, enriquecerem.
            Também é nesta parte que aparece a narração de Vilonda, o mucubal, que pressente que algo de ruim acontecerá com a sua família. Observa suas filhas, mulher, donde é possível conhecer as tradições de casamento, circuncisão e a relação com os vitelos. A revolta poderia se compreender mais para frente em outra narração de Vilonda, quando explicita o motim: “Eles querem matar todos os cuvale, falou Tyenda, dizem os cuvale são ladrões de gado. Com os brancos vinham também negros, deviam ser do Nano, farda de cáqui amarela e espingardas mauser” (PEPETELA, 1984, p 151)
             Aquiles, filho de Alexandre, ouve murmúrios de revoltas novamente. Ao compartilhar com os pais no almoço. O filho entende que são novos tempos, no bar falam que a polícia resolverá, acredita no Estado Novo como instaurador da ordem, o que discorda o pai: “- Enganas-te, filho. O Salazar não trouxe nada de novo. Nem ordem. Está tudo mais calmo há anos, mas o grande medo virá” (PEPETELA, 1984, p 144). É neste capítulo que morre Ernesto Tavares, enquanto transava com uma negra; morre um mucubal da família de Vilonda assassinado por Aquiles e seus amigos; morre Aquiles, por uma flecha apontada por Vilonda, ao tentar invadir a moradia deste, a fim de ajudar a exterminar os cuvale; Bartolomeu aproveita-se para vingar a morte do cunhado, e num jogo com a polícia, exterminam os mucubais que ali estavam – a família de Vilonda – e fica com boa parte dos gados para engordar sua própria fazenda.
            O Sexo trata de 1961 para adiante. Neste trecho, Alexandre já está viúvo, com 71 anos e finge não ouvir para não falar, vive ao redor de muitos netos, e um bisneto, Joel. As narrações dos netos aparecem, e muitas características desta terceira geração, os conflitos familiares, os ideais diferenciados. A neta, Chucha, transa com o primo, Dionísio, depois com Xandinho; A neta Olívia é comunista; um dos netos fora para Portugal; aparece o filho que Alexandre teve fora do casamento, Chico, um mulato que passa a residir no sapalalo.
             Xandinho ajuda o tio Bartolomeu sem cessar na fazenda, e compartilha da ideia de massacrar os negros, pois agora os ventos de mudança estavam a lhes produzir medo, mais uma vez havia revoltas. Bartolomeu sentia algo diferente em seus trabalhadores, no entanto, estava pensando em uma maneira oportunista de utilizar as terras de Moma, um negro que vivia perto de sua fazenda. Mais tarde, com a polícia, o acusou de estar guardando armas para matar os brancos, e nisto Moma é assassinado, e Bartolomeu se apossa das terras. A narrativa se passa com muitas coisas acontecendo simultaneamente, lá no sapalalo e na fazenda.
Moma no chão gemendo e chorando eu não fiz nada, sou amigo dos brancos, os tiros servindo lá no Bocoio de música de fundo para os gritos e os sons cavos das coronhadas nas costas e na cabeça, filas de gente trazidas das senzalas para o Bocoio, mão na cabeça, não dispara nós vamos, não dispara, onde estão as armas que se não vêem, onde estão as armas desse exército clandestino (...) não há armas aqui, não há catequista, aqui não tem nada, já sabiam antes brancos, no chão tem só o corpo acoronhado de Moma e chamuscado pelas chamas e aquela perna que encolhia e esticava e depois parou, muito direita, de vez, e as mulheres e as crianças que querem rodear o corpo do defunto e os milícias não lhes deixam, afastem, afastem, era mesmo um terrorista (PEPETELA, 1984, p 239).

            Esta penúltima parte do livro é bastante densa, com detalhes, várias ideias emergindo, focada na família que agora estava grande, entre diferentes modos de ver as prioridades da vida, o enriquecimento, a Angola, Portugal. A nora Matilde e o genro Bartolomeu fazem sociedade, ambos são ambiciosos. Há divergências familiares, ao mesmo tempo a família de Alexandre Semedo passa boa parte do tempo juntos.
            Contudo, é em As Pernas que Alexandre Semedo pôde conseguir estar perto da resposta que procura, precisamente quando morre. A data de 1975 é na memória angolana e expressada no livro, de intenso combate político, frentes nacionais muito ativas. O receio de Bartolomeu e Matilde por perderem seus bens, não diferente da família inteira - por ser boa parte sustentados pelos dois - com exceção de seu bisneto Joel, ao qual o velho nunca lhe deu muita atenção. Porém, foi este bisneto que materializou algo que o próprio Alexandre pôs a perceber que seria a resposta.
            Discutem-se os partidos, seus significados, as notícias. Matilde e Bartolomeu filiaram-se a partidos, que Olívia, filha de Bartolomeu reclama ser oportunismo, discordando do pai. Assim, o autor demonstra de maneira didática os próprios partidos, e sem estar na ótica da história oficial que generaliza os acontecimentos. “- A guerra é inevitável – disse Olívia. – Só se pode resolver com guerra. Em Luanda o MPLA[6] expulsou os outros dois, vai terminar o governo de transição. A FNLA[7] tomou conta do Norte. A Unita[8] do Bié. No Lobito já houve tiros.” (PEPETELA, 1984, p 257)
            As linhas finais do livro são direcionadas a Joel e seus amigos, lutando pelo MPLA e a família que programa a fuga para a África do Sul. Reúnem-se para não ficarem em prejuízo, levam consigo caminhões de café. Joel e o avô se aproximam, e comicamente o bisneto descobre que Alexandre fingia não ouvir, que decidiu fazer-se surdo durante todo o final da vida para não ter de falar.
            Joel visitou Chucha, a prima que era solteira e namorava um tenente português que tinha contato com os que realizaram o 25 de Abril[9]. Joel pôs-se a conversar com o tenente que estava na casa de Chucha, o bisneto de Alexandre queria compreender o motivo da fuga da família:
- Os que fizeram crimes, está bem – disse Joel. – Mas o meu pai de que pode ter medo ? Sempre foi um desgraçado. Nem sei como vai viver lá fora, não sabe fazer nada...
- Aí o caso pode ser diferente. Mesmo sem saber fazer nada, como dizes, aqui tinha o emprego. Era superior aos negros, tinha estatuto de branco. Sabe que vai perder esse estatuto. A partir de agora será igual a eles, não terá privilégios. Tem de mostrar o que sabe fazer. É duro para quem toda a vida viveu pensando ter inferiores. De repente já não os tem. É igual a eles...
- Mas lá vai ser inferior a todos!
- A todos os que ele considera seus iguais. Não pode aceitar o risco de ser inferior aos que ele toda a vida considerou inferiores...É muito complicado tudo isto. (PEPETELA, 1984, p 287, 288)
            Na última página do livro, já a fuga da família havia ocorrido, Joel era soldado, Yaka fala a Alexandre, quando está morrendo “A tua geração vai ser a última, (...) Isso te falei toda a vida, para te preparares. E só agora entendes. E também que sempre foste um grande impostor. Roubavas na loja mas criticavas a situação para calar os remorsos que eu criava em ti”(PEPETELA, 1984, p 301).
            Conforme descrito, o livro demonstra uma teia de personagens, um personagem central e seus contatos durante a sua vida. Mas este personagem fora uma pessoa comum, um comerciante. A escrita fácil de ser compreendida, com uma história que cativa, e faz buscar outros instrumentos para se entender a Angola. Pode ser caracterizado como um livro didático, que considera os sentimentos humanos, os pormenores de uma briga de família, o entendimento de uma cultura que não a européia, os valores diferenciados. A luta constante que houve na Angola, e que fora abraçada posteriormente pelos descendentes destes colonos, brancos. Consegue transpor para uma imaginação de diversos pensamentos sobre um mesmo assunto, a Angola, partindo de quem esteve na luta.
            Apesar de na história de vida de Pepetela estar constado sua luta pelo MPLA, no livro, o autor não deixa evidente um elogio extremo sobre o MPLA. Pelo contrário, trava uma problematização dos vários partidos, da forma como são conduzidos no dado momento. Escreveu o que ocorreu na realidade em que presenciou, que provavelmente não se limitou de forma generalizada, como se pode ler em outros escritos da História oficial. Tratou dos temas de modo particular, com a possibilidade incrível de imaginar a Angola, muito mais do que ela se parece nos documentários sobre África, muito mais do que a imagem do escravo que trabalhou sem nunca ter reivindicado: pessoas de luta constante, com relações de amizade com os brancos, de explicações através de suas tradições, e muito, muito resistentes às imposições.
            Por isto, Yaka, não é apenas ficção, no sentido de desvalor daquilo que não é tingido na História. É a construção de uma narrativa que caminha nas linhas de fuga desta História hegemônica que narra pela repetição o que deve ser dito. Que vem explorar a imaginação humana, sem assegurar-se na oficialidade, e possibilita, ao mesmo tempo, uma mudança na escrita e no pensar acadêmico.

Referência Bibliográfica
PEPETELA (ESCRITOR). Yaka: romance. São Paulo : Ática, 1984.



[1] Acadêmica da 6ª fase do curso de História da FURB. Resenha escrita para a disciplina de História Contemporânea II, professor Ricardo Machado.
[2] O livro Yaka escrito por Pepetela (Arthur Maurício Pestana dos Santos), publicado em 1984, é parte da completa obra do autor referente à Angola. Pepetela nasceu em Benguela, na Angola, no ano de 1941. Realizou seus estudos primários no país de nascença, em 1958 mudou-se para Portugal a fim de cursar o Ensino Superior. Iniciou no Instituto Superior Técnico envolvendo-se com a política, em 1962 passou por França e estabeleceu-se durante o exílio em Argélia, onde graduou-se em Sociologia. Enquanto residia em Argélia representou o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) na libertação de Angola e no Centro de Estudos Angolanos. Posteriormente, em 1969, parte para Cabinda, onde foi guerrilheiro na luta armada. No ano de 1974, era parte da primeira delegação do MPLA em Luanda. Sempre ligado ao setor de Educação, de 1975 a 1982 foi vice-ministro da área. A partir do ano 1985 passou a lecionar na Universidade Agostinho Neto em Luanda, ligado às associações culturais e à literatura, escreveu inúmeros livros que retratam Angola num âmbito de vivências e possibilidades.
[3] Povo Cuvale.
[4] Habitação dos negros africanos.
[5] Casa de madeira com dois andares.
[6] Movimento Popular de Libertação de Angola
[7] Frente Nacional de Libertação de Angola
[8] União Nacional para Independência Total de Angola
[9] Golpe de Estado de Portugal ou Revolução dos Cravos.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Desenhos sobre o Egito


Experiência de Estágio na
5ª série (vespertino)
da E.E.B. Luiz Delfino.














segunda-feira, 24 de maio de 2010

Além dos Outdoors

- Engenheiros do Hawaii
No ar da nossa aldeia
Há rádio, cinema & televisão
Mas o sangue só corre nas veias
Por pura falta de opção
As aranhas não tecem suas teias
Por loucura ou por paixão
Se o sangue ainda corre nas veias
é por pura falta de opção
No céu, além de nuvens
Há sexo, drogas & talk-shows
Mas coisas mudam de nome
Mas continuam sendo religiões
No dia-a-dia da nossa aldeia
Há infelizes enfartados de informação
As coisas mudam de nome
Mas continuam sendo o que sempre serão
Você sabe,
O que eu quero dizer não tá escrito nos outdoors
Por mais que a gente cante
O silêncio é sempre maior
Você sabe
O que eu quero dizer não tá escrito nos outdoors
Por mais que a gente grite
O silêncio é sempre maior
No ar da nossa aldeia
Há mais do que poluição
Há poucos que já foram
E muitos que nunca serão
As aranhas não tecem suas teias
Por loucura ou por paixão
Se o sangue ainda corre nas veias
É por pura falta de opção
Você sabe,
O que eu quero dizer não tá escrito nos outdoors
Por mais que a gente cante
O silêncio é sempre maior
Você sabe,
O que eu quero dizer não cabe na canção
Por pura falta de opção
Púrpura é a cor do coração, o coração
Você sabe,
Nunca foi dito num talk-show
Por mais que a gente cante
O silêncio, o silêncio, o silêncio, o silêncio...


E o que se quer dizer para além de linhas acadêmicas?

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Ensaio sobre a preguiça

Ensaio sobre a preguiça

Fabiele Lessa[1]

Uma leva de pensamentos sobre como seria o mundo sem o trabalho transcorre “o telencéfalo altamente desenvolvido” de um animal possuidor do “polegar opositor” (ILHA DAS FLORES, 1989), o então ser humano, que está a contemplar o mar em um fim de tarde. Mas, no mesmo instante, no mais íntimo momento de solidão em uma estação de metrô depois de dez horas de labuta em uma fábrica, o pai de família se orgulha de ter vendido seu corpo, pois bem sabe que “o trabalho dignifica o homem”. Ambos cristãos-ocidentais são donos de uma vida economicamente distinta, de diferentes graus de escolarização, no entanto, ambos e suas famílias abominam a preguiça: “O laço que ata preguiça e pecado é um nó invisível que prende imagens sociais de escárnio, condenação e medo” (CHAUI, 1991, p 10). Com o desenrolar das décadas, a façanha das máquinas, a produção do sentido da vida – “mediocridade feliz” -, o pecado se faz imoral à sociedade numa confusão com a própria ética. E assim, os ambos se multiplicam em múltiplos e diversos outros homens e mulheres que fazem da preguiça a fraqueza, o vício, a causa das criminalidades, a extrapolação dos prazeres, a destruição da família, a propensão da vida com menos racionalização de promessas futuras, a possibilidade da vida no espírito trágico.

A preguiça de um deve ser maquiada de outrem, assim, o medo do inferno em troca do medo dos olhos e bocas alheios. O céu adquirido com o emprego dos sonhos nos formatos mais diferenciados que a contemporaneidade tem produzido: operário, estagiário, profissional autônomo, liberal, funcionário-público, no modelo de trabalho tradicional ou com a gestão colaborativa. Mais os anos passam, mais “o trabalho como um freio para as nobres paixões do homem” (LAFARGUE, 1991, p 70), um dogma edificante da modernidade, da sociedade industrial, esta que em “sua instauração supõe não só transformações econômicas e tecnológicas, mas também a criação de novas regras do jogo, novas disciplinas” ( PERROT, 1988, p 53). Se na França do século XIX os operários eram os excluídos da história, que dizer dos preguiçosos convictos?

Lafargue ao escrever sobre a preguiça em 1880 pressupôs a falência do ócio justamente em uma época em que “burguês”, “proletariado”, “capital” e “trabalho” eram um dos termos efervescentes dos textos e discussões do cerco intelectual. No mesmo período em que se desenvolviam novas tecnologias, a ascensão da máquina, a criação de indústrias, aprimoramento da produção, teve início a percepção das estratégias de controle do operariado, a construção dos conceitos de “exploração da força de trabalho”, a “mais-valia”, a “luta de classes”, apontados por Marx, a “propriedade” criticada por Proudhon, entre tantos outros como Bakunin, Engels e Weber que conectados em suas trupes -anarquismo, comunismo ou socialismo e seus derivados - rompiam com a aceitação do modo de produção do momento. Segundo Chaui, os escritos de Lafargue que compilam o livro O Direito à Preguiça, vão de encontro com o “trabalho alienado”, conceito também explanado por seu sogro, Marx. Uma escrita ácida e sarcástica, de uma fala direta com os personagens do texto, burgueses e proletariados:

Trabalhem, trabalhem, proletários, para aumentar a riqueza social e suas misérias individuais, trabalhem, trabalhem para que, ficando mais pobres, tenham mais razões para trabalhar e tornarem-se miseráveis. Essa é a lei inexorável da produção capitalista.(LAFARGUE, 1991, p 79)

As palavras de Lafargue são ousadas, expõem a sujeição do proletariado do século XIX à uma força que nos tempos gregos, por exemplo, era reservado aos escravos; utiliza de termos religiosos que escamoteiam a sua ira numa ironia que desvela o espírito do capitalismo de Weber quando redige sobre a ética protestante. Destarte, o “Progresso” como o novo Deus para as quais as louvações da classe trabalhadora está direcionando a fé. E ainda a tradição familiar contestada no seio da disciplina fabril instalada.

Embora, alguns dos conceitos disseminados nesse período do escrito de Lafargue estejam hoje enfraquecidos devido à industrialização ter tomado outros rumos, o quarto pecado capital soprado por entre as frestas da igreja e do estado, é presente nos cálices e nos devaneios da atualidade. Muito timidamente, a preguiça agenda hora para se manifestar nesses corpos: As férias, os finais de semana e os feriados, tão ocupados pelos novos trabalhadores quanto os semáforos das metrópoles ocupados com seus e “vadios” e “vagabundos”.

Sobretudo, na maquinaria que perdura, a dignidade ainda perpassa pelo ato de trabalhar e a preguiça ainda é a destruidora dos lares e a geradora de culpa. Nenhum triunfo de “progresso” almejado no século XIX, apenas a transformação do trabalho.

Referências

LAFARGUE, Paul. O direito a preguica. 3. ed. Lisboa : Teorema, 1991?

ILHA das Flores. Direção: Jorge Furtado, 1989.

PERROT, Michele. Os excluídos da historia: operários, mulheres e prisioneiros. -Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1988. p. 53- 125.



[1] Acadêmica do 5º semestre de História FURB.